“Então vieram os homens de
Quiriate-Jearim e levaram a arca do SENHOR à casa de Abinadabe, no outeiro; e
consagraram Eleazar, seu filho, para que guardasse a arca do SENHOR. Sucedeu
que, desde aquele dia, a arca ficou em Quiriate-Jearim, e tantos dias se
passaram, que chegaram a vinte anos; e toda a casa de Israel dirigia
lamentações ao SENHOR.” – I Sm.7:1-2.
“Puseram a arca de Deus em um
carro novo e a levaram da casa de Abinadabe, que estava no outeiro; e Uzá e
Aiô, filhos de Abinadabe, guiavam o carro novo. Levaram-no com a arca de Deus, da
casa de Abinadabe, que estava no outeiro, e Aiô ia adiante da arca. (...)
Quando chegaram à eira de Nacom, estendeu Uzá a mão à arca de Deus e a segurou,
porque os bois tropeçaram. Então, a ira do SENHOR se acendeu contra Uzá, e Deus
o feriu ali por causa desta irreverência; e morreu ali junto à arca de
Deus.” II Sm.6:3-7.
Em uma narrativa crua e, pode-se dizer até, perturbadora, a Bíblia nos
conta de modo muito breve acerca da morte de Uzá. O porquê da morte dele é sabido:
a Lei de Moisés proibia terminantemente qualquer israelita, que não fosse da
tribo sacerdotal de Levi, de tocar os itens sagrados pertencentes ao ministério
do Tabernáculo (Nm.3:38), dos quais a Arca era o mais importante.
Mas, o que queremos meditar aqui não é tanto o “por que”, e sim o
“como”: o que levou Uzá a este ato aparentemente inocente e até necessário, mas
que o texto sagrado classifica como irreverente?
Não nos é informada a idade de Uzá, mas considerando que 20 anos antes
do ocorrido outro irmão seu, de nome Eleazar, havia sido escolhido para cuidar
da Arca, podemos supor que ele era ainda criança quando o objeto sagrado, recém-chegado
do território filisteu, foi alojado temporariamente na casa de seu pai,
Abinadabe.
Assim, podemos imaginar Uzá crescendo: de criança para adolescente,
para jovem, para homem maduro, e em todas estas fases de sua vida a Arca do SENHOR
esteve presente, tornando-se parte de seu cotidiano. É possível que, ao longo
dos anos, tenha testemunhado um interminável entra e sai de peregrinos
israelitas, que vinham de longe só para ver a Arca da Presença de Deus.
Por isso, com o passar do tempo, uma perniciosa familiaridade com a
Arca foi se desenvolvendo no coração de Uzá, familiaridade esta que acabou por
se degenerar em possessividade – “A Arca
também é minha. Eu também tenho direito sobre ela. Afinal ela tem estado este
tempo todo debaixo do mesmo teto que eu”. Talvez tenha sido este o pano de
fundo mental em que Uzá vivia quando chegou o terrível dia em que a Arca
finalmente saiu de sua casa. Ele jamais se atreveria a opor-se às ordens do rei
Davi, mas o texto o mostra junto ao carro, cuidando de seu objeto de estimação
da infância. Então acontece o inesperado: os bois tropeçam, o carro sacode mais
forte, a Arca desliza perigosamente e Uzá, cheio de zelo, mas sem entendimento
(Rm.10:2), com uma preocupação sincera, mas equivocada (Jo.21:20-22), toca no
símbolo maior da santidade de Deus. E é fulminado.
O que aconteceu com Uzá pode acontecer nos dias de hoje. Corremos,
tanto quanto ele, o risco de sermos contaminados pelo erro da “familiaridade”,
que é uma atitude de irreverência e destemor para com as coisas de Deus, que
leva a considerarmo-nos com “direitos” e “privilégios” diante dEle. Começamos a
crer na falácia de que merecemos ser tratados de modo diferenciado, que os
critérios divinos se aplicam só aos outros, nunca a nós. Que entendemos de tudo
e que Deus precisa muito de nós.